sexta-feira, 19 de setembro de 2008


3/3
Recta final
Fomos atrás do tal mauritano, que conduzia como se estivesse numa auto-estrada. Não olhávamos para os carros virados e ardidos, nem para as placas das minas, só queríamos ver o Mercedes.

Meio dia! 40 graus à sombra. Fronteira da Mauritânia. Separam o grupo. Passaportes para um lado, condutores para outro… e eu, mais uma vez a única mulher, dentro do Peugeot 505, que tinha os estofos em lã, assando! A polícia e o pessoal que andava por ali ofereciam dinheiro e chamavam ao nosso carrito o "camelo do deserto", com um ar muito apreciativo. Foram muito simpáticos comigo, principalmente quando tive uma quebra de tensão do calor: fui para a sombra, lá para o sítio dos registos, ofereceram-me uma cadeira... uns queridos! Claro que muitas coisas da mala do carro foram depois "oferecidas" como presentes para as crianças!

O Eduardo, nem vê-lo! Mas há coisas incríveis: enquanto estávamos à espera, aparecem uns jipes cheios de antenas, transmissores, etc... e matrículas portuguesas! Eram do Clube de Aventura de Oeiras e não é que conheciam um dos Pedros que ia no nosso grupo?

A cara deles, quando olham para os nossos carros e para o Pedro, que conhecem de corridas de motos todas xpto... e depois dos cumprimentos, dizem:

"Saímos do Inferno, vamos agora para o Paraíso"...

Boa, pensei eu, agora vou eu para o Inferno. E se apanhasse já boleia com estes para o "paraíso" de onde saí?

Não, Dina Maria, chegaste até aqui!


Lá saímos e... apareceu o Eduardo! Na Mauritânia, a paisagem vai-se tornando mais bonita, há muitas tendas à beira da estrada, dunas lindíssimas... e também imensa polícia que, por tudo e por nada, nos pede os passaportes... e lembranças para os filhos. Nesta altura, já estamos reduzidos a poucos víveres, mas paciência.

Por volta das 7 da tarde, chegámos a Nouakchott. Após vistoria aos aposentos, saímos para jantar. Depois de tantas tagines, desforrámo-nos. Até sangria conseguimos beber! E ao lado da nossa mesa, sentam-se 3 tipos, que falavam com grande à vontade com as empregadas e com o dono. Mas quando ficaram sozinhos, falaram português! Metemos conversa, tirámos fotografias, e ficámos a conhecer o Zé Fachada! Trocámos e-mail, eles devem ter achado que éramos uns doidos (mas foi só até vos conhecer!!!) e fomos para o "nosso hotel".


26/03/2008
Assim que saímos do hotel/tenda, encontrámos um cruzamento. Tudo normal, mas em 3 segundos... o Eduardo passou e nós ficámos encurralados com centenas de carros todos a quererem ir para o mesmo lado. Onde antes eram 3 filas, passaram a ser 6... as bermas serviam para passar, os carros batiam uns nos outros.... uma coisa alucinante. Se um andava 10cm, vinha logo outro e encostava... nova batidela e buzinadela e, meia hora depois, aparece um polícia por cima dos capots que, por milagre, põe ordem naquilo!

Rosso: 11 da manhã. Tínhamos um funcionário da MSF, onde trabalha o Eduardo, para nos fazer passar a fronteira e os carros para o Senegal. As imagens que eu tenho de nós a chegarmos ao pé daquele portão enorme, esperando pelo senegalês, invadidos por miúdos que pediam tudo, subiam o capot do carro, batiam nos vidros, cobertos de moscas... é de horror e não vou escrever sobre isto, porque acho que fiquei um bocado traumatizada com o que vi nesta fronteira...

Chegou o senegalês, levou os passaportes, passado pouco tempo apanhámos o barco e estávamos no Senegal... Foi fácil, não demorou muito tempo, mas, se puder, não quero voltar a passar ali. Vou pela outra, mas se tiver um todo-o-terreno.

Do lado do Senegal, aparecem logo umas árvores e as cores das roupas também são mais garridas... África Negra!

Duas ou três horas depois, o amigo do Eduardo chegou e levou-nos o Renault 21, que foi para a Guiné. E nós metemo-nos à estrada em direcção a Dakar... mas estávamos mal habituados... as estradas da Mauritânia eram óptimas. Aqui, há imensos buracos e tudo se atravessa à nossa frente: cabras, pessoas, burros... Tivémos que ir com 1000 cuidados.

Chegámos a Dakar de noite e tirámos a barriguinha de misérias num excelente restaurante mesmo ao pé do Casino. Nessa noite, dormimos em casa do Eduardo, que, além de nos ceder dois quartos, ainda foi o nosso guia por Dakar.

A Dina chegou a Dakar, e a trilogia ao fim... mas a viagem não acabou. Há algumas histórias para contar, e a conclusão desta aventura fica para a próxima semana.

15 comentários:

Anónimo disse...

Histórias diferentes, com os mesmos destinos.
DAKAR.
Uma história gira...
Contudo, podem-me dizer quando sai o VOSSO livro?
Estou mais ansioso à espera do VOSSO livro do que para o último livro do Harry Potter.

Aubigné disse...

Pois é Dina grande aventuraça, assim é que é...fico à espera dessas outras conversas/histórias da tua viagem...aqui!

Grande abraço rapazes...como está tudo convosco?

TMA

Anónimo disse...

pois é, engraçado evr como o mesmo destino pode ser vivido de duas maneiras tão diferentes. uns vão de bicla e outros vão de carro, cara qual vive aventuars diferentes mas no fim o que interessa é o que se retira da experiência. com mais medo ou mais à vontade, com sorte e azar, e acho que a postura ajuda sempre à própria disposição que se tem para viveer certas coisas, aturar outras, etc. Fizeram bem em pôr a histórida da Dina aqui, nem que seja para o pessoal ver que há uma infinidade de possibilidades no que refere a viajar (e já agora na vida). há mil e um destinos, mil e uma maneiras de chagar a cada um desses destinos, e mil uma maneiras de fazer cada um desses caminhos. Parabéns aos dois e à Dina, e já agora também parabéns pelo livro. A ver se isso sai rápido que estamos com "fome" de mais!
Se não se importam fico-me pelo anonimado. Chamem-me tímido.

Anónimo disse...

O Cabo Bojador era uma zona muito difícil de passar por causa das correntes do mar, dos ventos e do medo que os navegadores tinham porque muitos barcos afundavam lá pois havia muitos baixios.

Até ao final da Idade Média os conhecimentos geográficos eram poucos e estavam envolvidos em imensas lendas. O Cabo Bojador tinha fama de horrores. Ficava a caminho da região equatorial, junto a um imenso deserto. Não se sabia se o mundo acabaria ali.
Ouvia-se dizer que o mar engolia os barcos, que havia monstros...
Em 1434, Gil Eanes foi o primeiro navegador a dobrar o famoso e terrível Cabo Bojador. Seguiram-se uma série de viagens que permitiram mais descobertas. O medo acabara por ali. Outros viriam, mas o saber experimentado seria mais valente que o pânico...

Anónimo disse...

Pois é... mais de 500 anos depois, apesar de todos os mapas e fotografias de satélite e google earths... ainda chegam os portugueses ao Bojador à espera de encontrar Adamastores e outros monstros.

Lembro-me perfeitamente do dia em que chegámos a Bojador - de manhã, ainda a uns 50km, enquanto desfazíamos as tendas, imaginávamo-nos a ver o pôr-do-sol sentados à beira de um precipício enorme, e algures estaria um conjunto de rochas assustadoras que nós imaginaríamos ser a fonte de inspiração para a lenda do Amdamastor... e depois chegámos lá e ninguém sabia onde era o cabo, e o farol estava plantado no meio da vila, havia obras para uma futura marina... e o cabo... era um pequeno grupo de rochas onde dava para saltitar alegremente, tentando não molhar os pés.

O mar mais calmo que no9 Algarve, azul-das-caraíbas, pequenos barcos de pesca a passar ao largo... idílico - tudo o que não se imagina num lugar chamado... e agora tremam enquanto fazemos soar os tambores... Bojador!!!

Anónimo disse...

Pois é Jorge, o mito do Bojador
é um bom tratado de Psicologia.
Ás vezes o medo tolda a razão e tudo o que não é familiar pode se tornar deveras assustador.
Aproveito para vos dar os parabéns por terem uma mente tão saudável e não temerem "ousar para conquistar"pois sem essa qualidade todo este vosso projecto seria impossível.A.L.

Ze Fachada disse...

Boas aventureiros,
Lembram-se daquele anúncio - e nós a vê-los passar! Pois é com essa sensação com que ficamos quando descobrimos pessoal como vocês cá por estas bandas... Por um lado, por outro, necessitamos de regenerar sistematicamente os laços que nos unem a portugal. Precisamos de nos lembrar que a nossa realidade é bem diferente daquela em que vivemos. Esse sentimento que é um misto de nostalgia e de -talvez possa dizer-crise de identidade, torna-se crítico quanto maior for o período de abestinência de contacto com as nossas raízes.
Aliás, recordo-me bem da utilização do termo "cafrealização", muito utilizado de forma depreceativa em Moçambique -não faço ideia se em outros países- para designar aqueles que perderam a identidade e os laços que os unem a portugal. Nós, temos medo desse poço que é a "cafrealização", de sermos sugados pelo esquecimento, deixados ao abandono, e de perdermos a força e a coragem de regressar.
Por isso sois tão importantes; venham de carro, de bicicleta, ou a pé sereis sempre recebidos da mesma forma...
Zé Fachada Imigrante
P.S.: Parabens pelo livro, parabéns por mais essa viagem.

Anónimo disse...

Admiro muito os portugueses que o Sr. José Fachada relata. São esses os grandes e apaixonados aventureiros. Não se resignam às raízes e a necessidade de um mundo maior obriga-os a construir uma vida em locais remotos. Foi com eles que demos novos mundos ao mundo.

Só os medíocres de cultura suburbana, aqueles que se endividam para ter um jipe que não sai da cidade nem auto-estrada, depreciam quem usa jipe para andar no mato, na savana ou no deserto. Depreciam porque têm medo de lá ir.

Não creio que quem faz a vida em locais remotos perca a identidade portuguesa e os laços com Portugal. Nos anos 70, mais de um milhão de portugueses foram obrigados a regressar. Fizeram-no com amargura, mas com sucesso. Com a mesma coragem que foram também regressaram e construiram uma nova vida.

Talvez os governantes os esqueçam e deixem ao abandono, mas a Nação não.

A propósito de “cafrealização”, a da galinha é do melhor que há. Tenho saudades de um cozinheiro que tive, de muita e indefinida idade, que a fazia de forma excelente.

Um ex-emigrante em locais remotos

PS
Julgo que o Carlos e o Jorge estão imbuidos do mesmo espírito e coragem que levou muitos a locais remotos. É isso que me encanta na viajem que fizeram e na forma como abordam outras culturas. Parabéns a ambos.

Anónimo disse...

Rapazes!
Hoje foi um dia de comentários notáveis e o meu bem-haja ao Sr José Fachada.
Apesar da vossa aventura no terreno ter terminado, o blog continua interessante, vivo e de boa saúde!
Abraços

Anónimo disse...

Amigo tenente!

Já temos a guitarra que nos enviou, muito obrigado! Agradecia, se fosse possível, que entrasse em contacto connosco via email.

Obrigado, Jorge

Ze Fachada disse...

Olá a todos,
Obrigado pelo comentário PS.
Bem-haja também para si Tenente reformado. Como correram as vindimas?

Apenas gostaria de deixar um pequeno comentário-reflexão ao que o anónimo-PS disse "Talvez os governantes os esqueçam e deixem ao abandono, mas a Nação não.":

1- A Nação recorda-se dos antigos combatentes africanos que lutaram na guerra do ultramar e que depois foram deixados ao abandono e à mercê?
2- A Nação recorda-se de comunidades tão remotas como em Bali-Indonésia, que depois de 400 anos ainda hasteiam a bandeira portuguesa?
3- A Nação recorda-se de uma tribo aqui na Mauritânia, que ainda hoje usam apelidos portugueses?

Bem sei que a Nação somos todos nós, mas será que cada um de nós percebe o que isto quer dizer?

ATENÇÃO: Não sou nacionalista, apenas um saudosista -nada de confusões com fascismo - que procura com mágoa os esquecidos desta Nação.

Percebem o que quero dizer? 600 Anos depois dos descobrimentos, a Nação portuguesa ainda vive à sombra desse capital de notoriedade, sem lhe dar grande importância...

A determinada altura da nossa história, afundámo-nos numa espiral de introspecção, esquecendo quem fomos...

Eh pá quanto ao governo e governantes considero que não merecem sequer um comentário!

Um grande abraço
Zé Fachada

P.S.: apenas um pequeno flash noticioso aqui da Mauritânia. Foram anteontem encontrados 11 corpos decapitados de militares mauritanos, feitos refens pela denominada "Al-Qaeda do Mahgreb"
na região de Zouerat. Os militares foram feitos reféns, na sequência de um ataque a uma base militar da região de Zouerat, perpetrado pelos terroristas no passado dia 14de Setembro. A Mauritânia decretou 3 dias de luto. Foram enviados para a zona cerca de 3000 combatentes para perseguir os homicidas. Este ramo da Al-Qaeda foi responsável pelos últimos atentados na Argélia e encontra-se baseada entre a fronteira da Argélia, Mauritânia e Mali.

Anónimo disse...

Quase um ano depois, eis a "claro" a principal razão porq o Lisboa-Dakar foi cancelado, após vigoroso braço de ferro ASO (organizador) e gov. francês...E se nos lembrar-mos q Zouerat é 1 das 2 "galinhas de ovos de ouro" da Mauritania...e eis tb porq o Dakar dese há 4-5 anos era cada vez mais um Marrocos-Dakar, com escassas passagens pelo Mali, W da Mauritania e mesmo interior do Senegal...Mas, felizmente, a Al-Qaeda do Mahgreb (e espero q a do mundo inteiro) n está minimamente preocupada com meia duzia de vagabundos q viajam com apenas 1000 euros e sem a "media-visibility" de 1000 milhôes de euros, CFAs, ouguyas, Dihrams...Continuemos então as nossas deambulações, sem medo!
Zé Fachada:
A vindima foi boa na qualidade, mas escassa na qantidade...suponho que isso equivala a q, sobreudo aí, tenhas q vergar mais a mola para o poderes saborear...prometo q pra a proxima q ai for, 2 ou 3 bidões de oleo terão um lubrificante tipo Castrol Tinto GTX 2008!
Sauades, coragem, abraços e espero q até breve!
PPD (Pedro da Dina das Dunas)

Ze Fachada disse...

Caro Pedro,
Como sabes aqui mudamos o óleo a cada 2000 ou 3000km, o que significa que temos que fazer no mínimo 2 mudanças d'óleo por mês.

P.S.: Flash.
Camião MAN transportando cerca de 2milhões de euros foi interceptado e apreendido na zona de Zouerat no passado dia 20 de Setembro.

O camião conduzido por Touaregs pertence a uma rede de traficantes que actua nas fronteiras da Argélia, Marrocos e Mali com a Mauritânia.

Anónimo disse...

Ola, já vos conhecia por vos ver na TV mas decidi vir ver o vosso blog! Realmente têm aí histórias pra contar aos vossos netos. Grandes viagens e grandes aventureiros!! Se algum dia quiserem companhia é só dizerem qq coisa.

Mário Mouraz Santos
mariomouraz@hotmail.com

Anónimo disse...

Olá Mário!

É verdade, temos muitas histórias para os netos, eu já me imagino um daqueles avôs muito chatos, sempre a querer contar mais aventuras, a inventar façanhas incríveis, os netos já muito fartos, uns a dormir, outros a tirar macacos do nariz... mas há sempre um neto que fica a ouvir até ao fim, com os olhos a brilhar, que quer sempre mais. Provavelmente era eu quando era pequeno, eheh.

É bom saber que há pessoal disposto a partir connosco, eheh. Mas não esperes por nós! Sabe-se lá quando, e como, e para onde vamos da próxima vez! O ideal é não pensar muito, não depender de opiniões e medos e sugestões (todos os temos...), e ir.

Bem-vindo ao Até onde vais com 1000 euros, Mário!